Conferência Palas Athena/Unesco no Masp: uma reflexão sobre a dignidade humana

Arquivo: Palas Athena

 A Conferência "Os impactos do modelo de desenvolvimento na dignidade humana: interculturalidade e construção de novas sociabilidades como antídoto à violência estrutural", no âmbito do 105º Forum do Comitê da Cultura de Paz, foi um momento de reflexão muito forte pra mim. Conversamos sobre muitas coisas entrelaçadas: o consumo contemporâneo, o modelo neoextrativista de desenvolvimento, os impactos deste modelo na vida das populações indígenas, a divisão internacional do trabalho, a violência estrutural alimentada pelos neocolonialismos económico e interno que vivemos no Brasil e em outros países da América Latina. Falamos também da dignidade humana, das novas sociabilidades trazidas pelas formas de consumo solidário, da importância da tradução intercultural e do papel da UPMS na urdidura de uma agenda comum de luta. 

A mensagem que considero mais importante é que não é possível simplesmente evocar a paz, passando por cima de dívidas e desigualdades históricas. Esta paz branca que tudo dilui - inclusive a história - é violenta. A cultura de paz  só poderá efetivamente acontecer mediante efetivos processos de tradução intercultural e, portanto, de respeito às difenças. A tradução intercultural configura-se como um antídoto poderoso contra o esgarçamento que as linhas abissais provocaram no tecido social, constituindo também uma forma preciosa de articulação política das minorias silenciadas. Queremos a paz, mas uma paz justa, que não seja construída em cima do silenciamento e da diluição da diferença.


Arquivo: Palas Athena

Para pensar estas  questões, o pensamento de Boaventura de Sousa Santos teve um papel decisivo, fomentando reflexões acerca do modelo de desenvolvimento e das soluções populares que emergem como resposta à violência estrutural. A partir dos conceitos de fascismo social, linha abissal e sociologia das ausências, discutimos os diversos rostos da violência hoje: da invisibilidade social sofrida pela população em situação de rua às representações hegemónicas de género, dos caminhões com ameixas apodrecendo ao sol à espera de entrar em território palestino à perda progressiva de território pelas populações indígenas, com o aval do próprio Estado e seu aparelho jurídico. Mas não falamos somente dos problemas. Falamos também das soluções que emergem! Dos clubes de troca nas periferias das cidades, das alianças entre movimentos sociais, do cosmopolitismo subalterno que cresce (Santos, 2007b), das possibilidades múltiplas de tradução intercultural. Nesta  trajetória, outros pensares também nos fizeram companhia durante a conversa: Hannah Arendt, Arjun Appadurai, Kimberlé Crenshaw, entre outros.

A conferência completa (apenas em áudio, infelizmente), está já disponível em http://comitedaculturadepaz.blogspot.pt/2013_06_01_archive.html. Optei também por recortar e disponibilizar, aqui, alguns trechos (em vídeo), principalmente aqueles relacionados à questão indígena, que é urgente no Brasil. Aproveito para agradecer profundamente às lideranças que gentilmente conversaram comigo em Brasília, dando depoimentos contundentes sobre a realidade que vivem - Paulino Montejo, Sonia Guajajara, Rildo Mendes Kaigang, Uilton Tuxá e Cacique Darã (do povo guarani). Agradeço também à abertura da Palas Athena para discutir questões tão duras e difíceis da forma como deve ser. Sem edições. 

Espero que a mensagem contribua para alguma reflexão:

 Conferência Palas/Unesco no Masp - parte I

Conferência Palas/Unesco no Masp - parte II

 Conferência Palas/Unesco no Masp - parte III
 
Conferência Palas/Unesco no Masp - parte IV

Para saber mais:

SANTOS, Boaventura de Sousa (2007a). Renovar a teoria crítica e reinventar a emancipação social. São Paulo: Boitempo.
SANTOS, Boaventura de Sousa (2007b). “Para além do pensamento abissal”. Revista Crítica de Ciências Sociais, 78, Outubro 2007: 3-46.
SANTOS, Luciane Lucas dos (2012), Traducción intercultural como proceso educativo: perspectivas dialógicas entre los mercados solidarios y las economías originarias campesinas, in Adriana María Isabel Zaffaroni; Emilio Fernández Canque (org.), Educación e Interculturalidad: hacia uma práctica reparatoria. Salta: Fundación Rescoldo.
SANTOS, Luciane Lucas dos (2011), “Os clubes de troca na economia solidária: por um modelo crítico e emancipatório de consumo”. In Pedro Hespanha e Aline Mendonça dos Santos (orgs.), Economia Solidária: questões teóricas e epistemológicas. Coimbra: Almedina.
SANTOS, Luciane Lucas dos (2012), “A educação para o consumo no espaço da escola: criando as bases para o consumo crítico e solidário”. In Juscelino Dourado e Fernanda Belizário (orgs.), Reflexão e Práticas em Educação Ambiental. São Paulo: Oficina de Textos.

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